O consumidor e o falso desconto de pontualidade

O desconto de pontualidade é uma prática prevista em contratos consumeristas e tem se tornado cada dia mais comum. O costume, inaugurado em contratos acadêmicos, atualmente se tornou bastante corriqueiro em quase toda modalidade pactual.

Seu objetivo é alterar a relação jurídica entre as partes e onerar o valor inicialmente previsto, incidindo multa abusiva, cumulando juros e atualização monetária.

Na prática funciona assim: o fornecedor informa que o valor real da obrigação seria aquele determinado em contrato, R$100,00 e que, ao pagar em dia, o consumidor é “agraciado” com um suposto desconto de pontualidade no importe de 20% (vinte por cento), ou seja, o consumidor, se pagar na data do vencimento, pagará apenas R$80,00  (R$100,00 – R$ 20,00 = R$ 80,00)

Ocorre que, o valor bruto informado, é fictício. Na verdade, o valor do contrato ou da parcela, já seria aquele com desconto e não o valor nominal. No caso exemplificado, o valor contratual já seria R$ 80,00 (oitenta reais) e não R$ 100,00 (cem reais).

No caso acima exemplificado, o fornecedor cobrará do consumidor, em caso de atraso, o valor de R$ 100,00 e ainda acumulará 2% (dois por cento) de juros legais + 1% (um por cento) de mora pro rata die, ou seja, 20% + 2% + 1% ao dia.

Mas, já chegou ao meu escritório, cobranças de multas astronômicas em que o suposto desconto é de 50% (cinquenta por cento).

Com essa prática, o fornecedor fica livre para cobrar juros abusivos em porcentagens muito acima da prevista na legislação, pois vai transformar o falso desconto em multa por atraso no pagamento (cláusula penal).

Nem mesmo as instituições financeiras têm liberdade para cobrar juros e multas tão absurdas.

Deste modo, o consumidor é levado a acreditar que se cumprir sua obrigação em dia, receberá uma espécie de troféu, que é o suposto “desconto de pontualidade”, quando, na verdade ele está pagando o valor nominal, bruto, sem desconto algum.

Além disso, alguns fornecedores não satisfeitos, ainda atualizam o valor do falso desconto, inserindo mais juros e correção monetária, o que é totalmente vedado pela legislação brasileira, constituindo bis in idem, termo latim que significa que não pode haver mais de uma cobrança ou penalidade pela mesma circunstância, ou seja, nesse contexto, ninguém pode ser punido duas vezes por ter atrasado um pagamento.

A justificativa dos fornecedores para a prática, é, de início, legítima: a tentativa de reforçar aos consumidores que a obrigação deve ser paga na data do vencimento.

O que está em desacordo com as normas, é que a nomenclatura dada a essa prática denominada de “desconto” ou “abono”, na verdade, deveria ser genuinamente chamada de “multa contratual” por atraso no pagamento. Mas aí, não poderia ser cobrada em porcentagem tão elevada.

Outra violação praticada pelo fornecedor que adere a essa conduta, é a alteração do valor do contrato para mais, quando, na verdade, o valor real já é aquele com o desconto.

Assim, o fornecedor prova de forma objetiva que não está guardando, obrigatoriamente, os princípios da probidade e boa-fé, previstas no art. 422 do Código Civil, princípio essencial diante da função social do contrato, além de incorrer em crime de informação falsa, conforme art. 66 da Lei n. 8078/90 – Código de Defesa do Consumidor.

 

Dra. Ely

Dra. Ely

Advogada especialista em Direito Público, membra da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/DF Pós-graduada em Revisão Textual Professora de Direito do Consumidor e Português Jurídico na Faculdade Brasília - FBr